Culpa Exclusiva do Consumidor ou de Terceiro

Introdução e Conceito de Culpa Exclusiva do Consumidor

Em artigos anteriores, verificou-se que a introdução do produto no mercado de consumo, aliado a ocorrência de defeito no mesmo é pressuposto indispensável para caracterização do dever de indenizar do fornecedor. Entretanto, estes dois pressupostos não encerram a análise da responsabilidade civil do fornecedor nos acidentes de consumo, isso porque, o dever de indenizar ainda poderá ser afastado na hipótese de culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro, é o que apregoa art.12, §3º, inc. III do Código de Defesa do Consumidor.

Diante dessa possibilidade, a análise, a conceituação, a delimitação e o estudo da aplicabilidade da culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro se torna de suma importância, já que tal instituto se constitui como excludente da responsabilidade civil do fornecedor de produtos. 

A culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro nos acidentes de consumo ocorre quando a conduta dos mesmos é a causa exclusiva do evento danoso. Neste caso, a excludente de responsabilidade civil prevista no art. 12, §3º, inc. III do CDC é caracterizada por uma conduta imprudente do consumidor ou de terceiro, sem a observância dos cuidados mínimos no uso e fruição do produto. 

Pode-se exemplificar a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro quando estes ignoram as advertências claras para o uso de um determinado eletrodoméstico e, por este motivo, sofrem queimaduras e outras lesões físicas. (BESSA, 2008)

Acerca da conceituação da culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro, expõe-se as lições de Cavalieri Filho:
“Fala-se em culpa exclusiva da vítima quando a sua conduta se erige em causa direta e determinante do evento, de modo a não possível apontar qualquer defeito no produto ou no serviço como fato ensejador da sua ocorrência. Se o comportamento do consumidor é a única causa do acidente de consumo, não há como responsabilizar o produtor ou fornecedor por ausência de nexo de causalidade entre a sua atividade e o dano. É o caso do motorista que provoca acidente automobilístico por sua exclusiva imprudência ou negligência, do consumidor que faz uso do medicamento em doses inadequadas e contrariando prescrição médica e assim por diante. Não há como responsabilizar o fabricante de automóvel, nem o fornecedor do medicamento porque o dano não foi causado por defeito no produto. Inexiste nestes casos relação de causalidade entre o prejuízo sofrido pelo consumidor e atividade do produtor ou fornecedor. (CAVALIERI FILHO, 2008, p. 487)”
Observa-se que, para que seja caracterizada a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro, estes devem estar cientes do defeito do produto ou serviço e do perigo que dele deriva. Assim, a responsabilidade do fornecedor pelo acidente de consumo cessa a partir do momento que o consumidor ou terceiro assume os riscos e perigos do produto voluntariamente. 

Em outras palavras, o consumidor ou terceiro que ignora por completo as informações e instruções do produto não poderá exigir do fornecedor a reparação pelo acidente de consumo.  (ROCHA, 2000)

Conceito do Terceiro em Direito do Consumidor 

Importante destacar e delimitar o conceito de terceiro na excludente prevista no art. 12, §3º, inc. III do Código de Defesa do Consumidor. Neste caso, é considerado como terceiro aquele que não mantém qualquer vínculo com fornecedor de produtos. Trata-se de um estranho por completo à cadeia da à relação de consumo. Dessa maneira, não podem ser considerados como terceiros os prepostos, empregados e representantes legais do fornecedor. (BENJAMIN, 2009)

Se as pessoas ligadas ao fornecedor não podem ser consideradas como terceiros para fins de aplicabilidade da excludente objeto deste estudo, o comerciante também está impossibilitado de ser considerado como terceiro. A responsabilidade do comerciante encontra disciplina especial e própria no art.13 do CDC, considerando-o como responsável subsidiário pelo fato do produto. Dessa forma, a sistemática e lógica normativa indicam que o comerciante não poderá figurar como terceiro para fins de exclusão da responsabilidade do fornecedor. (BESSA, 2008) 

Culpa Exclusiva x Culpa Concorrente 

Noutro giro, nota-se que o Código de Defesa do Consumidor foi bem claro e específico ao se referir a culpa do consumidor ou de terceiro como fato capaz de eximir a responsabilidade do fornecedor nos acidentes de consumo, não mencionando em momento algum a culpa concorrente. 

Neste prisma, citam-se as análises de Grinover:
“A culpa exclusiva é inconfundível com a culpa concorrente: no primeiro caso desaparece a relação de causalidade entre o defeito do produto e o evento danoso, dissolvendo-se a própria relação de responsabilidade; no segundo, a responsabilidade se atenua em razão da concorrência de culpa e os aplicadores da norma costumam condenar o agente causador do dano a reparar pela metade o prejuízo, cabendo à vítima arcar com a outra metade. A doutrina, contudo, sem vozes discordantes, tem sustentado o entendimento de que a lei pode eleger a culpa exclusiva como única excludente de responsabilidade, como fez o Código de Defesa do Consumidor nesta passagem. Caracterizada, portanto, a concorrência de culpa, subsiste a responsabilidade integral do fabricante e demais fornecedores arrolados no caput, pela reparação dos danos. (GRINOVER, 1998, p. 153)”
Observa-se que a culpa concorrente é incapaz de impedir a configuração do dever de indenizar do produtor ou fornecedor, tendo em vista que o sistema predominante nos acidentes de consumo é o da responsabilidade civil objetiva. Dessa forma, se a falha de segurança ou qualidade do produto foi uma das causas que ensejaram a ocorrência do evento danoso, o fornecedor deverá se responsabilizar pelo acidente de consumo, independentemente se houve ou não contribuição do consumidor ou de terceiro. (CAVALIERI FILHO, 2008) 

Por outro lado, é importante frisar que, embora a culpa concorrente do consumidor ou de terceiro nos acidentes de consumo seja incapaz de impedir a configuração do dever indenizar do empresário, poderá funcionar como elemento influente no quantum indenizatório, ou seja, poderá minorar a indenização a ser recebida pelo consumidor pelos danos sofridos. (BESSA, 2008) 

Nestas circunstâncias, impõe-se a dúvida se existiu culpa concorrente ou culpa exclusiva do consumidor/terceiro. Por este motivo, deve se indagar qual dos fatos ou culpas foi decisivo para o evento danoso. Assim, se os atos imprudentes do consumidor ou terceiro se apresentarem como capazes de provocar o acidente de consumo, independentemente de qualquer outro fato ou conduta do fornecedor, configurada está a culpa exclusiva. Em contrapartida, se a conduta imprudente do consumidor ou terceiro for insuficiente por si só para provocar o acidente de consumo, estará configurada a culpa concorrente. (DIAS, 1997)

Conclusão

Com base nas premissas expostas, em síntese, notou-se a impossibilidade do comerciante ou qualquer outro participante da cadeia de consumo ser considerado como terceiro. 

Por outro lado, em termos de delimitação do instituto em apreço, observou-se que culpa concorrente é incapaz de afastar o dever de indenizar do fornecedor tal como a culpa exclusiva do consumidor,. Entretanto, ainda sim, a culpa concorrente pode ser utilizada como minorante do quantum indenizatório nos acidentes de consumo. 

Referências 

BENJAMIN, Antônio Herman V. Manual de Direito do Consumidor. 2ª Ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009

BESSA, Leonardo Roscoe. Manual de Direito do Consumidor. 1ª ed. Brasília: Escola Nacional de Defesa do Consumidor, 2008

BRASIL. Lei nº. 8.078, de 11 de setembro de 1990. Estabelece o Código de Defesa do Consumidor. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 12 set. 1990.

CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil. 8ª ed.. São Paulo: Atlas, 2008.

DIAS, José Aguiar. Da Responsabilidade Civil, Vol. I. Rio de Janeiro: Forense, 1997.

GRINOVER, Ada Pellegrini, etal. Código Brasileiro de Defesa do Cosumidor comentado pelos autores do anteprojeto. 5ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998.

Como Citar este artigo:

Meira, Hugo Vinícius Muniz. A culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro. Hugo Meira | Advogado, 2020. Disponível em:
<https://www.hugomeira.com.br/2020/01/culpa-exclusiva-do-consumidor.html>
Acesso em: (dia), (mês) e (ano).