Caso fortuito e força maior no direito do consumidor

Os conceitos do caso fortuito e força maior são construídos nos pilares do tradicional direito civil, no entanto, a aplicabilidade dos institutos supramencionados no direito do consumidor comporta algumas especificidades, é o que será visto neste artigo.

Neste caso, conciliar a teoria do risco, a teoria da qualidade e todas excludentes de responsabilidade, incluindo caso fortuito e força maior, é uma das tarefas mais árduas daqueles que lidam com o direito do consumidor. O choque de princípios e postulados é inevitável, como também o é a harmonização do direito para que seja solucionado o problema da responsabilidade civil.

Inicialmente, para esclarecer o rompimento do nexo de causalidade entre defeito do produto e o dano, expõe-se as considerações e exemplo de Coelho:
“O fornecedor também é liberado do dever de indenizar em demonstrando a presença, entre as causas do acidente de consumo, da força maior ou do caso fortuito, desde que posteriores ao fornecimento. A força maior ou o caso fortuito anteriores ao fornecimento não configuram excludente de responsabilização, uma vez que o fundamento racional da responsabilidade objetiva do empresário, por acidente de consumo, se encontra exatamente na constatação da relativa inevitabilidade dos defeitos no processo produtivo.  
Com efeito, a manifestação de tais fatores, posteriormente ao fornecimento, desconstitui qualquer liame causal entre o ato de fornecer produtos ao mercado e os danos experimentados pelo consumidor. Por exemplo, se o eletrodoméstico é inutilizado por um raio, não se responsabiliza o empresário pelos prejuízos do consumidor.” (COELHO, 2005, p.281) 
Interessante observar que o caso fortuito pode ter ainda dois desmembramentos, o caso fortuito interno e o caso fortuito externo. Estas duas espécies comportam efeitos completamente diversos em sede de reparação civil, conforme se demonstrará a seguir.

Caso Fortuito Interno

Apresenta-se o caso fortuito interno, o evento imprevisível e inevitável que ocorre durante a prestação do serviço, ou em momento anterior a colocação do produto no mercado de consumo, a exemplo do corte de energia ilícito e da inscrição do nome de consumidores em bancos de dados de forma errônea. Neste caso, o caso fortuito interno não exime o fornecedor de produtos da reparação dos danos sofridos pelos consumidores no acidente de consumo, até porque trata-se de verdadeiro defeito do produto. (MARQUES, 2009)

Apontam-se os brilhantes ensinamentos de Cavalieri Filho, acerca do caso fortuito interno e sua conciliação com a teoria do risco da atividade empresarial:
“O fortuito interno, assim entendido o fato imprevisível e, por isso, inevitável ocorrido no momento da fabricação do produto ou da realização do serviço, não exclui a responsabilidade do fornecedor, porque faz parte da sua atividade, liga-se aos riscos do empreendimento, submetendo-se a noção geral de defeito de concepção do produto ou de formulação do serviço. Vale dizer, se o defeito ocorreu antes da introdução do produto no mercado de consumo ou durante a prestação do serviço, não importa saber o motivo que determinou o defeito; o fornecedor é sempre responsável pelas suas conseqüências, ainda que decorrente de fato imprevisível e inevitável.” (CAVALIERI FILHO, 2008, p.490) 

Caso Fortuito Externo

O caso fortuito externo é o evento imprevisível e inevitável que não guarda relação alguma com a atividade do fornecedor, é fato absolutamente estranho ao produto ou serviço e ocorre quase sempre em momento posterior a sua introdução no mercado de consumo. Entretanto, é capaz de causar danos ao consumidor. Nestas situações, em verdade, não se poderia falar em defeito no produto. (CAVALIERI FILHO, 2008)

O caso fortuito externo é alheio ou estranho ao processo de elaboração do produto ou execução do serviço. O caso fortuito externo afasta a responsabilidade civil, pois imprevisível inclusive para o fornecedor, para empresário ou produtor, não estando no risco da atividade e relação de consumo. 

Inaplicabilidade de Caso Fortuito ou Força Maior

Uma vez descumprido o dever de segurança e/ou de qualidade e ocorrido o evento danoso em virtude deste descumprimento, caracterizado está o defeito no produto e, portanto, ainda que pese a incidência do caso fortuito e da força maior, o dever de indenizar o consumidor no acidente de consumo estará configurado.

Neste caso, além do dever ideal de segurança/qualidade e a teoria do risco, a imputabilidade objetiva baseada no profissionalismo do fornecedor de produtos fundamenta tal entendimento. Assim, a aplicabilidade do caso fortuito e força maior são vistas de forma relativa, em face dos citados princípios e teorias. (MIRAGEM, 2003).

Nesta esteira, ressalta-se ainda o idolatrado valor da justiça distributiva nos ensinamentos de Benjamin:
“O fortuito interno, assim entendido o fato imprevisível e, por isso, inevitável ocorrido no momento da fabricação do produto ou da realização do serviço, não exclui a responsabilidade do fornecedor, porque faz parte da sua atividade, liga-se aos riscos do empreendimento, submetendo-se a noção geral de defeito de concepção do produto ou de formulação do serviço. Vale dizer, se o defeito ocorreu antes da introdução do produto no mercado de consumo ou durante a prestação do serviço, não importa saber o motivo que determinou o defeito; o fornecedor é sempre responsável pelas suas conseqüências, ainda que decorrente de fato imprevisível e inevitável.” (BENJAMIN, 2009, p.132)
Observa-se que a aplicabilidade do caso fortuito e da força maior, além da averiguação da natureza interna ou externa dos institutos, também necessita da análise dos deveres de qualidade e segurança, bem como da teoria do risco do empreendimento e do profissionalismo do fornecedor de produtos. A harmonização de todos estes fatores é indispensável para que melhor apuração da responsabilidade civil nas relações de consumo.

Noutro giro, repudiam-se como excludente de responsabilidade civil as falhas advindas do desenvolvimento empresarial, em virtude ineficiência da segurança ou qualidade do produto, já que tais falhas são consideradas como caso fortuito interno. É o que apregoa Cavalieri Filho:
"Seria extremamente injusto financiar o progresso às custas do consumidor individual, debitar na sua cota social de sacrifícios os enormes riscos do desenvolvimento. Isso importaria em um retrocesso de 180 graus na responsabilidade objetiva, que, por sua vez, tem por objetivo a socialização do risco -, ainda que isso venha a se refletir no custo final do produto. Mas se a inovação é benéfica ao consumo em geral, nada impede que todos tenhamos que pagar o preço do progresso." (CAVALIERI FILHO, 2008, p.492) 

Conclusão

Pelo que foi apresentado, verificou-se que a ocorrência do caso fortuito e da força maior nem sempre poderão funcionar como excludentes de responsabilidade civil no direito do consumidor. Afinal, o caso fortuito e a força maior apresentam variações na sua natureza jurídica, ora são considerados como fatores externos e ora como internos, sendo tal diferenciação de suma importância na aplicabilidade dos institutos. 

Observou-se ainda que a o caso fortuito e a força maior não devem ser analisados isoladamente no acidente de consumo, mas em conjunto e harmonia com princípios, teorias e valores de direito do consumidor (dever de qualidade, segurança, teoria do risco...)

Referências 

BENJAMIN, Antônio Herman V. Manual de Direito do Consumidor. 2ª Ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009

CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil. 8ª ed.. São Paulo: Atlas, 2008.

MIRAGEM, Bruno. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. 1ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003

Como Citar este Artigo

Meira, Hugo Vinícius Muniz. Caso fortuito e força maior no direito do consumidor Hugo Meira | Advogado, 2020. Disponível em: <https://www.hugomeira.com.br/2020/01/caso-fortuito-e-forca-maior-consumidor.html>
Acesso em: (dia), (mês) e (ano).